viernes, 2 de abril de 2021

ruy belo / dos poemas











Un día no muy lejos no muy cerca

*

A veces sabes me siento harto
por todo esto ser siempre así
Un día no muy lejos no muy cerca
un día muy normal un día cotidiano
un día no es que yo parezca muy tieso
entrarás en la habitación y me llamarás
y ya te digo que siento no responder
no salir de mi aire vagamente absorto
haré un esfuerzo parece nada más que hacer
dirás que parezco muerto
qué disparate decías tú que hubo un brote
no sabes de qué no muy cerca
y yo sin nada que decirte
un poco harto no muy tieso y vagamente absorto
no muy cerca de ese tal brote
¿quieres ver que estaré muerto?

(de Homem de Palavra(s), 1969)

~

Y todo era posible

*

En mi juventud antes de haber salido
de casa de mis padres dispuesto a viajar
yo conocía ya el reventar del mar
por las páginas de los libros que había leído

Llegaba el mes de mayo era todo florido
el rollo de las mañanas se ponía a circular
y era sólo oír al soñador hablar
de la vida como si ella no hubiera acontecido

Y todo pasaba en otra vida
y había para las cosas siempre una salida
¿Cuándo fue eso? Yo mismo no lo sé decir

Sólo sé que tenía el poder de un niño
entre las cosas y yo había vecinos
y todo era posible era sólo querer

(de Homem de Palavra(s), 1969)

***
Ruy Belo (São João da Ribeira, 1933-Queluz, 1978)
Versiones de Raquel Madrigal Martínez

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Um dia não muito longe não muito perto

*

Às vezes sabes sinto-me farto
por tudo isto ser sempre assim
Um dia não muito longe não muito perto
um dia muito normal um dia quotidiano
um dia não é que eu pareça lá muito hirto
entrarás no quarto e chamarás por mim
e digo-te já que tenho pena de não responder
de não sair do meu ar vagamente absorto
farei um esforço parece mas nada a fazer
hás-de dizer que pareço morto
que disparate dizias tu que houve um surto
não sabes de quê não muito perto
e eu sem nada pra te dizer
um pouco farto não muito hirto e vagamente absorto
não muito perto desse tal surto
queres tu ver que hei-de estar morto?

~

E tudo era possível

*

Na minha juventude antes de ter saído
da casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido

Chegava o mês de maio era tudo florido
o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido

E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer

Só sei que tinha o poder duma criança
entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer

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