lunes, 10 de octubre de 2022

zetho cunha gonçalves / cuatro poemas












Fragmentos de la tierra

*

                                    A Herberto Helder
                                            y a Luís Carlos Patraquim

Mis muertos me dieron versos, asombros – un río
acampado en la memoria.
(Los pájaros toman el aire de su canto – viento,
viento sorprendido.)
                                    Y si truena,
Se cubren con colchas y con toallas los espejos
de la casa;
se colocan tres montículos de ceniza fresca
en las esquinas interiores de las puertas,
y un hilo de suerte, en sal gorda, a lo largo del alféizar
de las ventanas giradas a naciente – que se cierran,
flor do mata,
sin luz eléctrica ni agua canalizada;
sin pararrayos.
                                    Sin pararrayos,
desmembrar los relámpagos, chispa
sobre chispa,
los árboles antiguos de la tierra – que rodean,
estremecen – amuleto y hechizo,
como si Dios se deletrease
en la piedra inaugural de mi rostro.

~

Muérdago soberano

*

Yo soy mis manos ─ el rostro,
esta voz ─ de aire y fuego,
líquida.
Soy mi voz,
mis manos ─ y mi rostro:
todas las caligrafías ─ del alfabeto
a la escritura,
su lectura ─
traspasando espacios, horizontes,
lunas – muérdago soberano,
la memoria.

~

La octava luna nueva

*

                A Glaura Cardoso

La flor del baobab
cae
    del corazón de un pájaro – esta
es la Noche que desmiembra el Tiempo,
sellando sus astros, removiendo
la oscuridad en la oscuridad,
azotando
el ladrido doliente de los perros − y alrededor,
el silencio de los leopardos.

La Noche es la única realidad,
desde los ancestrales: cuanto más negra,
más verdadera.
                        Y aquí llega
la octava Luna Nueva, la Luna
de los vientos y de la enfermedad.

Las delgadas aguas de los ríos
enloquecen a los peces, que se asfixian
por la ausencia de su brújula lunar.

Y locos − locos
de eternidad,
bailan los pies del viento sobre el mundo.

Por un temblor de cielo,
mis ojos se inflaman como relámpagos
fulminando
bajo los párpados. Es el final
de la estación de las nieblas: las fiebres
destruyendo los cuerpos, la Tierra
sumergida
por una alfombra de cenizas
y árboles calcinados.

Del corazón de un pájaro
cae
    la flor del baobab.

~

Hablan, conversan el mundo

*

                    Para Arnaldo Santos
                    y José Luandino Vieira

Hablan,
conversan el mundo.
Y del secreto mínimo
De las aguas – corriendo,
asciende el brillo
del oro sumergido.

Están sentados en el fuego antiguo
de la Tierra – excavan,
retiran las palabras
de su estado larvar,
atan sus cordones umbilicales a vientres
inaugurales y púberes:
− La palabra,
dicen: búscala
en la concha del oído.
Que ella cante – expedita y natural.

Están sentados en el fuego antiguo
de la Tierra – la voz es su poder
y cayado:
caligrafía aérea y cantante
insculpida en la sangre y su danza
− batiendo, fluyendo, sustentando
la escultural melodía de la Tierra:
de generación en generación: el mundo,
nuestro – canto,
poema.

Y que la palabra sea –
modelándose por aguas noctívagas,
iluminadas,
a ras del viento: epopeya breve
− que el tempo prolonga,
acrecienta,
rememora – la voz.
Y estas manos:
su innumerable herencia.

***
Zetho Cunha Gonçalves (Huambo, 1960)
Versiones de Raquel Madrigal Martínez

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Fragmentos da terra

*

                                                Ao Herberto Helder
                                                e ao Luís Carlos Patraquim

Os meus mortos deram-me versos, assombros – um rio
acampado na memória.
(Os pássaros tomam o ar do seu canto – vento,
vento espantado.)
                                        E se troveja,
cobrem-se de colchas e de toalhas os espelhos
da casa;
colocam-se três montículos de cinza fresca
nos cantos interiores das portas,
e um fio de sorte, em sal grosso, ao longo do peitoril
das janelas voltadas a nascente – que se fecham,
flor do mato,
sem luz eléctrica nem água canalizada;
sem pára-raios.
                                        Sem pára-raios,
desmembram os relâmpagos, faísca
sobre faísca,
as árvores antigas da terra – que rodeiam,
estremecem – amuleto e feitiço,
como se Deus se soletrasse
na pedra inaugural do meu rosto.

~

Visgo soberano

*

Eu sou as minhas mãos ─ o rosto,
esta voz ─ de ar e fogo,
líquida.
Sou a minha voz,
as minhas mãos ─ e o meu rosto:
todas as caligrafias ─ do alfabeto
à escrita,
a sua leitura ─
trespassando espaços, horizontes,
luas – visgo soberano,
a memória.

~

A oitava lua nova

*

                À Glaura Cardoso

A flor do imbondeiro
cai
    do coração de um pássaro – esta
é a Noite que desmembra o Tempo,
selando seus astros, removendo
a escuridão na escuridão,
açoitando
o latir dolente dos cães − e à roda,
o silêncio dos leopardos.

A Noite é a única realidade,
desde os ancestrais: quanto mais negra,
mais verdadeira.
                    E eis que chega
a oitava Lua Nova, a Lua
dos ventos e da doença.

As magras águas dos rios
dementam os peixes, que sufocam
pela ausência da sua bússola lunar.

E loucos − loucos
de eternidade,
dançam os pés do vento sobre o mundo.

Por um tremor de céu,
os meus olhos inflamam como relâmpagos
a fulminar
sob as pálpebras. É o fim
da estação do cacimbo: as febres
estuporando os corpos, a Terra
submersa
por um tapete de cinzas
e árvores calcinadas.

Do coração de um pássaro
cai
    a flor do imbondeiro.

~

Falam, conversam o mundo

*

                        Para Arnaldo Santos
                        e José Luandino Vieira

Falam,
conversam o mundo.
E do segredo mínimo
das águas – correndo,
ascende o brilho
do ouro submerso.

Estão sentados no fogo antigo
da Terra – escavam,
retiram as palavras
do seu estado larvar,
atam seus cordões umbilicais a ventres
inaugurais e púberes:
− A palavra,
dizem: procura-a
na concha do ouvido.
Que ela cante – expedita e natural.

Estão sentados no fogo antigo
da Terra – a voz é o seu poder
e bordão:
caligrafia aérea e cantante
insculpida no sangue e sua dança
− batendo, fluindo, sustentando
a escultural melodia da Terra:
de geração em geração: o mundo,
nosso – canto,
poema.

E que a palavra seja –
modelando-se por águas noctívagas,
iluminadas,
ao rés do vento: epopeia breve
− que o tempo alonga,
acrescenta,
rememora – a voz.
E estas mãos:
sua inumerável herança.

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