domingo, 26 de marzo de 2023

alice sant'anna / tren nocturno










los tres nos reímos mucho en el camarote y nos asustamos cuando el tren paró en una estación desierta, sin gente en los bancos, sin despedidas, la mirada dura del inspector que duerme solo todas las noches, el inspector en su camarote, sin casa ni mujer, una especie de marinero que no se embarca en ningún barco, que no está solo con ningún horizonte, pero mucho peor, este inspector que no puede perderse, que sigue firme en su ruta Venecia-Budapest, que se prolonga durante trece horas sin quitar ni poner, el inspector que nos recomienda cerrar las tres cerraduras del camarote, primero la de arriba y luego la del medio, y todo nos hace gracia porque nadie nos ha llevado a la estación ni nos espera en el andén, no conocemos absolutamente a nadie por aquí y por eso todo da tanto miedo y es tan ligero a la vez, ese papel con frases en húngaro, alguna orden incomprensible que no vamos a seguir, los tres con los ojos muy abiertos fingiendo a los demás que estamos en un sueño profundo, cuando en realidad las ideas bailan y cambian el orden de los muebles en nuestras cabezas, aunque probablemente el único que duerme en todo el tren es el inspector, o no él, por duro que sea, quizás prefiera fantasear con gigantes, tsunamis

***
Alice Sant'Anna (Rio de Janeiro, 1988)
Versión de Nicolás López-Pérez
Fotografía de Alexandre Sant'Anna

/

Trem noturno

*

nós três rimos muito na cabine e nos assustamos quando o vagão para em uma estação erma, sem gente nos bancos, sem despedidas, o olhar duro do fiscal que dorme sozinho toda noite, o fiscal em sua cabine, sem casa ou mulher, espécie de marinheiro que não embarca em navio algum, que não fica a sós com horizonte algum, mas muito pior, esse fiscal que não pode se perder, está bem firme nos trilhos, em sua rota veneza-budapeste, que se estende por treze horas sem tirar nem pôr, o fiscal que nos recomenda trancar as três fechaduras da cabine, primeiro a de cima e em seguida a do meio, e nós achamos graça de tudo porque ninguém nos levou à estação ou nos espera na plataforma, não conhecemos absolutamente ninguém por estas bandas e por isso mesmo tudo é tão assustador e leve ao mesmo tempo, esse papel com frases em húngaro, algum comando incompreensível que não vamos seguir, as três com os olhos bem abertos fingindo para as outras que estão em sono profundo, quando na verdade as ideias dançam e trocam a ordem dos móveis na cabeça, se bem que provavelmente o único que dorme em todo o trem deve ser o fiscal, ou nem ele, duro que é, talvez prefira fantasiar com gigantes, maremotos

No hay comentarios.:

Publicar un comentario