jueves, 26 de mayo de 2022

fernando namora / cuatro poemas











Balada de siempre

*

Espero tu llegada
tu llegada,
en día de luna llena.

Me asomo a la noche
a ver la luna a crecer, crecer...

Espero el momento de la llegada
con los cansancios y los ardores de todas las llegadas...

Rasgarás nubes de calles densas,
Encharcarás callejones de borrachos transformadores.
Saltarás riberos, mares, relieves...
- ¡Tu alma no muere
A los miedos y a las sombras! -

Pero...,
Mientras dejo la ventana abierta
Para que entres,
el mar,
ahí más allá,
siempre dubitativo,
dibuja interrogaciones en la arena mojada...

~

Un Secreto

*

Mi padre tenía sandalias de viento
sólo ahora lo sé.
Tenía sandalias de viento
y esto ni siquiera es una forma de decirlo
andaba a lo lejos los ojos huidos la expresión en
                                        [ninguna parte
con las milagrosas instantaneidades que nos hacen
                                        [estar en todos los sitios.

Andaba a lo lejos mi padre soñando errando vagabundeando
pero toda su ausencia era
el malogro del ser
sólo ahora lo sé.
Andaba a lo lejos o le sentíamos lejos
va a dar a lo mismo
y sin embargo le veíamos siempre
allí plantado de inmovilidad absorta
en el leño de roble rayado de negro
al que la carcoma le había comido el interior
como las orugas vacían las manzanas
extrañamente quieto mustio resignado
en su extraño vagabundear
los ojos aguados en una tristeza que hoy me duele
como un apelo perdido una valentía abortada.
Ausencia era tan de daño urdida tan de fracaso
                                        [teñida
ausencia era
altiva y desolada altiva y triste sobre todo triste
tristeza sí tristeza solemne e irremediada
sólo ahora lo sé.

A veces me parecía un águila que atraviesa los aires
surco azul
que nada distingue del azul donde fue surcado
y por eso ni es águila ni al menos
lo que de su vuelo resta para que
el sueño se haga real.
Mi padre era un hombre con las nostalgias
de lo que nunca había pasado y eso le minaba víscera a
                                        [víscera
como las tales orugas desmenuzan las manzanas
y entonces lo sé ahora calzaba las ágiles sandalias
milagrosamente ligeras sueltas imaginativas
yendo de azar en azar de astro en astro
eran de viento sus sandalias fabulosas
levándole a donde nadie más podría llegar.

Los demás no lo sabían ni yo lo sabía
sólo lo veíamos sentado en el leño viejo
rayado de negro como una estrella fosilizada
por eso todo era para él más irremediable y triste
lo sé ahora demasiado tarde
demasiado tarde es un dolor de remordimiento
que me consume víscera a víscera
como las tales orugas desmenuzan las manzanas.
Mas de cualquier manera existe un secreto
que ambos compartimos
celosamente avaramente indescifradamente
como los astutos conspiradores
que hacen de su secreto
un mágico tesoro inviolado.

Un secreto sencillo:
lo que sentiste padre
lo siento yo ahora por ambos
lo siento por ti
lo siento por mí.

Aunque por él seamos devorados.

~

Un Poema Que Se Perdió

*

Hoy el día es un día lluvioso y triste
amortajado
En esa monotonía enferma de los grandes días.

Hoy el día...
(la pluma se me ha caído de las manos)

Se ha acabado el poema en el papel.
aquí por dentro
Continúa...

¡Oh! ¡este encresparse de las almas en el silencio!

~

Por Todos los Caminos del Mundo

*

Mi poesía es así como una vida que vaguea
                                        por el mundo,

por todos los caminos del mundo,
desencontrados como los punteros de un reloj viejo,
que ahora tiene un mar de espuma, calmo, como la luna
                                        en un jardín nocturno,

ahora un desierto que el simún vino a modificar,
ahora el espejismo de estar cerca del oasis,
ahora los pies cansados, sin fuerzas para más allá.

Que nadie me pida ese andar seguro de quien sabe
                                        el rumbo y la hora de alcanzarlo,
la tranquilidad de quien tiene en la mano el profetizado
de que la tempestad no le sacudirá el palacio,
la dulzura de quien nada tiene que regatear,
el clamor de los que nacieron con la sangre crepitando.

En mi vida no siempre la brújula se atrae al mismo
norte.
Que nadie me pida nada. Nada.
Dejadme con mi día que no siempre es día,
con mi noche que no siempre es noche
como el alma quiere.

No me sé los caminos de memoria.

***
Fernando Namora (Condeixa-a-Nova, 1919-Lisboa, 1989)
Versiones de Raquel Madrigal Martínez

/

Balada de Sempre

*

Espero a tua vinda
a tua vinda,
em dia de lua cheia.

Debruço-me sobre a noite
a ver a lua a crescer, a crescer...

Espero o momento da chegada
com os cansaços e os ardores de todas as chegadas...

Rasgarás nuvens de ruas densas,
Alagarás vielas de bêbados transformadores.
Saltarás ribeiros, mares, relevos...
- A tua alma não morre
aos medos e às sombras!-

Mas...,
Enquanto deixo a janela aberta
para entrares,
o mar,
aí além,
sempre duvidoso,
desenha interrogações na areia molhada...

~

Um Segredo

*

Meu pai tinha sandálias de vento
só agora o sei.
Tinha sandálias de vento
e isto nem sequer é uma maneira de dizer
andava por longe os olhos fugidos a expressão em
                                        [nenhures
com as miraculosas instantaneidades que nos fazem
                                        [estar em todos os sítios.

Andava por longe meu pai sonhando errando vadiando
mas toda a sua ausência era
o malogro de o ser
só agora o sei.
Andava por longe ou sentíamo-lo longe
vem dar no mesmo
e no entanto víamo-lo sempre
ali plantado de imobilidade absorta
no cepo de carvalho raiado de negro
a que o caruncho comera o miolo
como as lagartas esvaziam as maçãs
estranhamente quieto murcho resignado
no seu estranho vadiar
os olhos aguados numa tristeza que hoje me dói
como um apelo perdido uma coragem abortada.
Ausência era tão de mágoa urdida tão de fracasso
                                        [tingida
ausência era
altiva e desolada altiva e triste sobretudo triste
tristeza sim tristeza solene e irremediada
só agora o sei.

Às vezes parecia-me uma águia que atravessa os ares
sulco azul
que nada distingue do azul onde foi sulcado
e por isso nem é águia nem ao menos
o que do seu voo resta para que
o sonho se faça real.
Meu pai era um homem com as nostalgias
do que nunca acontecera e isso minava-o víscera a
                                        [víscera
como as tais lagartas esfarelam as maçãs
e então sei-o agora calçava as ágeis sandálias
miraculosamente leves soltas imaginosas
indo de acaso em acaso de astro em astro
eram de vento as suas sandálias fabulosas
levando-o aonde mais ninguém poderia chegar.

Os outros não o sabiam nem eu o sabia
só o víamos sentado no cepo velho
raiado de negro como uma estrela fossilizada
por isso tudo era para ele mais irremediável e triste
sei-o agora tarde de mais
tarde de mais é uma dor de remorso
que me consome víscera a víscera
como as tais lagartas esfarelam as maçãs.
Mas de qualquer maneira existe um segredo
de que ambos partilhamos
ciosamente avaramente indecifradamente
como os astutos conspiradores
que fazem do seu segredo
um mágico tesouro inviolado.

Um segredo simples:
o que sentiste pai
sinto-o eu agora por ambos
sinto-o por ti
sinto-o por mim.

Ainda que por ele devorados.

~

Um Poema Que Se Perdeu

*

Hoje o dia é um dia chuvoso e triste
amortalhado
Naquela monotonia doente dos grandes dias.

Hoje o dia...
(a pena caiu-me das mãos)

Acabou-se o poema no papel.
Cá por dentro
Continua...

Oh! este marulhar das almas no silêncio!

~

Por Todos os Caminhos do Mundo

A minha poesia é assim como uma vida que vagueia
                                        pelo mundo,

por todos os caminhos do mundo,
desencontrados como os ponteiros de um relógio velho,
que ora tem um mar de espuma, calmo, como o luar
                                        num jardim nocturno,

ora um deserto que o simum veio modificar,
ora a miragem de se estar perto do oásis,
ora os pés cansados, sem forças para além.

Que ninguém me peça esse andar certo de quem sabe
                                        o rumo e a hora de o atingir,
a tranquilidade de quem tem na mão o profetizado
de que a tempestade não lhe abalará o palácio,
a doçura de quem nada tem a regatear,
o clamor dos que nasceram com o sangue a crepitar.

Na minha vida nem sempre a bússola se atrai ao mesmo
norte.
Que ninguém me peça nada. Nada.
Deixai-me com o meu dia que nem sempre é dia,
com a minha noite que nem sempre é noite
como a alma quer.

Não sei caminhos de cor.

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