Poética
Estoy harto del lirismo comedido
Del lirismo bien comportado
Del lirismo funcionario público con hoja de presencia expediente
protocolo y manifestaciones de aprecio al sr. director.
Estoy harto del lirismo que para y va a averiguar en el diccionario
el cuño vernáculo de un vocablo.
Abajo los puristas
Todas las palabras sobre todo los barbarismos universales
Todas las construcciones sobre todo las sintaxis de excepción
Todos los ritmos sobre todo los inumerables
Estoy harto del lirismo enamorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula a lo que quiera que sea
fuera de sí mismo
Además, no es lirismo
Será contabilidad tabla de cosenos secretario del amante
ejemplar con cien modelos de cartas y las diferentes
maneras de agradar a las mujeres, etc.
Prefiero el lirismo de los locos
El lirismo de los borrachos
El lirismo difícil y pungente de los borrachos
El lirismo de los payasos de Shakespeare
— No quiero saber más del lirismo que no es liberación.
~
Autorretrato
*
Provinciano que nunca supo
Escoger bien una corbata;
Pernambucano a quien repugna
La navaja del pernambucano;
Poeta ruin que en el arte de la prosa
Envejeció en la infancia del arte,
Y hasta escribiendo crónicas
Se quedó en cronista de provincia;
Arquitecto fallado, músico
Fallado (se tragó un día
Un piano, pero el teclado
Quedó fuera); sin familia,
Religión o filosofía;
Mal teniendo la inquietación de espíritu
Que viene de lo sobrenatural,
Y en materia de profesión
Un tísico profesional.
~
Desencanto
*
Yo hago versos como quien llora
De desaliento. . . de desencanto. . .
Cierra mi libro, si por ahora
No tienes ningún motivo para el llanto.
Mi verso es sangre. Voluptuosidad ardiente. . .
Tristeza dispersa... remordimiento vano...
Me duele en las venas. Amargo y caliente,
Cae, gota a gota, del corazón.
Y en estos versos de angustia ronca,
Así de los labios la vida corre,
Dejando un agrio sabor en la boca.
– Yo hago versos como quien muere.
~
Madrigal Melancólico
*
Lo que yo adoro en ti
No es tu belleza
La belleza es nosotros que existe
La belleza es un concepto
Y la belleza es triste
No es triste en sí
Sino por lo que hay en ella
De fragilidad e incerteza
Lo que yo adoro en ti
No es tu inteligencia
No es tu espíritu sutil
Tan ágil y tan luminoso
Ave suelta en el cielo matinal de la montaña
Ni es tu ciencia
Del corazón de los hombres y de las cosas.
Lo que yo adoro en ti
No es tu gracia musical
Sucesiva y renovada a cada momento
Gracia aérea como tu propio momento
Gracia que perturba y que satisface
Lo que yo adoro en ti
No es la madre que ya perdí
Y ni a mi padre
Lo que yo adoro en tu naturaleza
No es el profundo instinto matinal
En tu flanco abierto como una herida
Ni tu pureza. Ni tu impureza.
Lo que adoro em ti me lastima y me consuela:
¡Lo que yo adoro en ti es la vida!
~
Brisa
*
Vamos a vivir al Nordeste, Anarina.
Dejaré aquí a mis amigos, mis libros, mis riquezas, mi vergüenza.
Dejarás aquí a tu hija, tu abuela, tu marido, tu amante.
Aquí hace mucho calor.
En el Nordeste hace calor también.
Pero allí hay brisa:
Vamos a vivir de brisa, Anarina.
Manuel Bandeira (Recife, 1886-Rio de Janeiro, 1968)
Versiones de Raquel Madrigal Martínez
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Poética
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
~
Auto-retrato
*
Provinciano que nunca soube
Escolher bem uma gravata;
Pernambucano a quem repugna
A faca do pernambucano;
Poeta ruim que na arte da prosa
Envelheceu na infância da arte,
E até mesmo escrevendo crônicas
Ficou cronista de província;
Arquiteto falhado, músico
Falhado (engoliu um dia
Um piano, mas o teclado
Ficou de fora); sem família,
Religião ou filosofia;
Mal tendo a inquietação de espírito
Que vem do sobrenatural,
E em matéria de profissão
Um tísico profissional.
~
Desencanto
*
Eu faço versos como quem chora
De desalento. . . de desencanto. . .
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente. . .
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca,
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
– Eu faço versos como quem morre.
~
Madrigal Melancólico
*
O que eu adoro em ti
Não é a tua beleza
A beleza é em nós que existe
A beleza é um conceito
E a beleza é triste
Não é triste em si
Mas pelo que há nela
De fragilidade e incerteza
O que eu adoro em ti
Não é a tua inteligência
Não é o teu espírito sutil
Tão ágil e tão luminoso
Ave solta no céu matinal da montanha
Nem é a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.
O que eu adoro em ti
Não é a tua graça musical
Sucessiva e renovada a cada momento
Graça aérea como teu próprio momento
Graça que perturba e que satisfaz
O que eu adoro em ti
Não é a mãe que já perdi
E nem meu pai
O que eu adoro em tua natureza
Não é o profundo instinto matinal
Em teu flanco aberto como uma ferida
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
O que adoro em ti lastima-me e consola-me:
O que eu adoro em ti é a vida!
~
Brisa
*
Vamos viver no Nordeste, Anarina.
Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha.
Deixaras aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante.
Aqui faz muito calor.
No Nordeste faz calor também.
Mas lá tem brisa:
Vamos viver de brisa, Anarina.